segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DAQUI ATÉ A ETERNIDADE

E os nossos laços foram se desfazendo sem que a gente percebesse. Eu não sei mais que horas você acorda nem o que come no almoço. Se ainda dorme com aquele pijama velho, se ainda toma cerveja em caneca de alumínio ou se ainda briga por causa do sofá de frente a TV.

A gente não se reúne mais pra comer brigadeiro, nem para ir ao cinema na quarta-feira à noite, pagando meia com a carteirinha da biblioteca. A gente já não dorme junto no final de semana, só pelo tempo e pela companhia. Não brinca mais de gato-mia, não vira a noite jogando tranca e tomando vinho ou "eu nunca" bebendo "caipiceva" no copo do liquidificador.

Então parece que essas pequenas coisas foram ficando cada vez mais distantes de nós, as serpentinas foram desfeitas. A gente já não se fala todo dia, quando muito nas conversas de MSN. E não estamos mais reunidos nas mesmas fotos, fazendo graça, olhando para o lado, procurando a pose mais engraçada, forçando um "sem amigos".

Também não frequentamos mais os mesmos lugares, não nos entusiasmamos pelas mesmas coisas, não brincamos de "cachoeirinha" naquelas tardes de calor insuportável e várias antárcticas geladas espremidas no congelador, contando com as desculpas mais esfarrapadas para não ir ao estágio.

Da banheira do Gugu, do medo de alguns sobre parque de diversão, da raridade dos banhos de outros e da animação de todos nas noites de quinta-feira, nos esquentas com vodka barata. Das discussões, abraços, perdões. O engraçado nisso tudo é que sabíamos desde o início que esse dia chegaria, dia de despedida, dia de ir embora. Mas só que não contávamos com a intensidade de nossas aproximações, com tamanho envolvimento e afeto, carinho e emoção.

O mais incrível nisso tudo é que cada reencontro é e sempre será uma continuação de nossas histórias juntos, como se o tempo tivesse ficado em suspenso. E apesar de toda a distância e de todos os fatos novos que, de certa forma, nós ainda compartilhamos, cada vez será ainda melhor em momentos cheios de nostalgia e fraternidade. Momentos definitivamente simples e raros.


"E nossa estória
Não estará pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos".

- Renato Russo -

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Maresia

É que ele tinha o azul do mar dentro dos olhos, e tinha a voz calma, daquelas que dão vontade de sentar no chão pra ouvir histórias imensas, apoiando o queixo sobre as mãos fechadas e os cotovelos sobre as coxas e as pernas cruzadas sobre um tapete de plumas brancas. E eu não sei seu nome, mas sei a cor do seu sorriso como que iluminando tudo à sua volta. E isso basta.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Tô usando o perfume que "ocê" adora

Quando eu conheci o Zé, rapaz bonito, camisa de seda, calça de linho, brilhantina no cabelo, sapato lustrado. Ele me levou pra morar na roça, eu cuidava da casa, fazia marmita para os "peão", lavava as "roupa" no rio, pajeava "os" filho pequeno. Eu saí da casa do meu pai com 14 anos, pra eu morar "mais" ele. Eu era uma menina ainda - com a roupa do corpo e o amor dentro do peito, que fazia "as" perna bambear: coração de verdade.

Aí um belo dia, depois de mais de 20 "ano", ele foi embora e nunca mais "vortô". Só que agora eu descobri que ele tem outra mulher. Eles "mora" na cidade e ele paga "inté" faxineira, a Dona Elza, mulher do Bizaco - o peão lá da roça. A Dona Elza falou esses dias que é serviço pesado, bruto mesmo... que a mulher suja umas cinco "roupa" por dia - tudo roupa chique que ela compra nas "butique". Tudo com o dinheiro dele. Diz que ela foi "no" médico um dia desses, descobriu que tem "pobrema" cardíaco, vai colocar marca-passo semana que vem.

Municipal

Ela o viu perto do bar, com os braços envolvendo a cintura de uma menina. E sentiu as pernas bambas, no leve movimento de transposição de todas as suas negações forçadas. Pernas que tanto flutuaram e se entrelaçaram entre as dele, quando as palavras vinham mais fáceis. Só que ela viu muito mais do que devia, viu-o não só de cabeça raspada, mas também viu em seus olhos tudo o que passou tanto tempo procurando. E viu também que aqueles olhos não lhe pertenciam - como se seus possíveis melhores momentos estivessem trancafiados a sete chaves. De sorriso diferente, nas ondas do som. Pegou a cerveja e procurou voltar para onde estava - mas várias coisas já haviam se perdido na multidão...