sexta-feira, 23 de setembro de 2011

E se...



E se a rua diminuísse na largura, e entre a minha casa e a sua, a gente fosse se encontrar. E quem sabe nossas linhas, tendenciosamente paralelas, não se aproximam ao ponto de se sobreporem, de se enroscarem na doce imagem de te ver passar, de estar sempre no meio do seu caminho.

Mas se a rua se estreitasse, o par com o ímpar, do verde com o vermelho, nas arquiteturas tortas, diariamente ao grande encontro, nas linhas, em cubos, em euforia imperceptível a olho nu.

E se a lua se aproximasse, iluminando nossos caminhos, estreitando nossos espaços vazios. Mas se você simplesmente atravessasse a rua, mudasse de calçada, no samba feito pra você chegar, nem lua nem rua nem nada me fariam te abandonar.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Vão



Ela tinha um jeito tolo de lidar com essa vida mansa, sem nada em exagero. E tinha o cabelo queimado do sol, as mãos pequenas e finas, onde a linha da vida quase que não se via. Tinha as ideias confusas, esquecia-se de tanta coisa e com tamanha facilidade que as pessoas acreditavam que ela fazia de propósito, só para chamar a atenção. De sorriso largo, mas cada dia de um jeito, ainda querendo crer que dias bons é opção ao despertar do sono pela manhã.


A janela entreaberta deixava passar os raios de sol daquele fim de tarde de domingo. E o que se via eram as luzes se dissipando, quando ela passava de lá pra cá dentro do quarto, arrumando as malas pra partir. E saía e voltava e girava e corria e fazia dos raios de sol pisca-piscas dentro do quarto o tempo todo.


Não vá dizer que foi tudo em vão. A janela fechada mente a cor dessa manhã gelada, que não te deixa levantar da cama. Não me avise das tempestades, suas previsões do tempo são falhas, aludem a descontroles remotos, ultrapassados.


Teríamos com fé proferido aquelas mesmas palavras se não fossem essas reviravoltas que a vida dá, transmudando as paisagens, esquecendo dos detalhes. É que a fé também ficou esquecida nos ruídos noturnos, nas novidades pelo caminho, nas divindades questionadas, na fé empoeirada, certidões rasgadas.


Há que se saber que a vida é pisar em falso em enfileiradas caixinhas de surpresa, e que as maiores surpresas da vida podem ser encontradas no vão entre as caixinhas. Em constante teste de paciência, até que se atinja o ponto de equilíbrio. Nem raro nem demasiado, nem extenso nem curto demais.


Na calmaria do pôr do sol no quintal da sua casa, da esperança de dias melhores pelo caminho, nas travessias milimetricamente arquitetadas. Então nossa exatidão a gente deixa de escanteio, reviravoltas em nossos pretextos. Fervoroso dilema da estação.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Muda


Bom mesmo é poder agora rever conceitos há tempos ultrapassados, promover o desapego e aceitar que cada coisa tem seu próprio tempo de vida, seu ponto final. Melhor ainda é entender o momento de aceitação, de dizer adeus para o que não tem mais razão de ser, já que tudo seria bem diferente nas circunstâncias atuais.

Essa descrença virou mania de resposta pronta, tanta vida se transforma a todo instante, virar o disco, viver o novo: a simples forma de pensar mais fácil, sem complicar considerações vulneráveis e traiçoeiras. Estive contando seus passos, seguindo seus rastros, mas do mesmo jeito que aquelas pessoas no tumulto de ontem na rodoviária, as mãos dadas evitando afastarem-se seus corpos na multidão simbolizaram também a nossa despedida. Pelo menos esse foi o meu tempo de entender tudo isso.

E foi mesmo melhor desviar os olhares, ainda que quase passássemos um sobre o outro, seria difícil explicar a ela, e tinha tanta gente por todos os lados, que qualquer cumprimento poderia soar um tanto quanto superficial e desdenhoso, o que me renderia uma chateação desnecessária. Desses conceitos, passei a noite entre questionamentos e detalhes há muito esquecidos, sem razão, como quando você briga com alguém e depois de um tempo você já nem se lembra mais o motivo.

Eu já não me lembro mais de tanta coisa, o tempo foi desbotando essas lembranças, desgastando arrepios e desviando a saudade. Tanta coisa aconteceu nesse entretempo, sem participação, sem presença. Seu caminho ficou na minha contramão, então não há mais grande valia em querer estar junto sem estar.

Eu ainda olhei para trás buscando uma resposta, uma última visão do que agora eu aceito que tenha mesmo ficado para trás. Procurei sem ser vista, mas havia tantas pessoas, final de feriado, gente indo e vindo, despedida e chegada, que eu tive a leve sensação de que o meu trem também partira, agora livre e sossegado, sem destino, na paz que agora eu carrego comigo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Jabuticabeira



Onde cresciam as suas flores, agora tem cimento, chão firme, tudo cinzento, acinzentado. Onde havia aquela pequena fonte improvisada, com seu pescador satirizado, agora só existe uma rede mais à frente, perto da porta da sala. Não precisei elevar as mãos pelo caminho que você projetou, cheio de flores e galhos contorcidos, para chegar até a porta sem me arranhar, embora agora persistam tantos outros profundos arranhões. E não tem mais aquela brisa boa, as folhas balançando de um lado ao outro, levando o cheiro das rosas até a janela da cozinha, de onde saía o seu melhor café. Mudou tanta coisa, tanta vista, tanta saudade que deixa a gente meio sem norte, intactos, inertes. E vendo aquelas borboletas amarelas traçando boas energias em torno à jabuticabeira, minha flor, tem você por todo lado, basta sentir.