quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vácuo


Era uma vez uma menina que não conseguia escutar a própria voz. Ouvia tudo, menos o que ela mesma dizia. A mãe já havia levado a menina ao médico, 'otorrino' renomado na região, mas ninguém soube desvendar o mistério. Psicanálise, musicoterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia... e a menina falava, falava, falava e não conseguia ouvir a própria voz. Dá pra imaginar como deve ser dura a impossibilidade de não ouvir o som das palavras ditas por si mesmo?

Com o tempo novos problemas foram surgindo: a menina começou a idealizar sua introspecção expressada na voz de outras pessoas, para que pudesse então ouvir o que queria ouvir, ouvir o que falava. Assim, parecia-lhe mais branda a ideia de não ouvir a própria voz, já que, se tivesse o som das respostas que almejava, a menina poderia se sentir melhor por saber que o som de suas perguntas eram percebidos.

Almejava respostas idealizadas por si mesma o tempo todo. Admirável carência humana! A menina criava listas de respostas que queria ouvir de outras pessoas. Um dia percebeu que aquelas respostas prontas só criavam ainda mais questionamentos. E foi então que além de não ouvir a própria voz a menina também parou de querer ouvir a voz dos outros.
Deve ser esse o fim dos que não sabem ouvir. A causa da surdez opcional, a maldição das desventuras no vácuo.