segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Náutica


No momento em que Ana se deu conta, já não conhecia mais seu bom e velho amigo Beto tão bem quanto acreditava ser possível. Ela que sempre soube todos os pensamentos de Beto, da intenção de seus olhares irônicos, da veracidade de suas risadas. E acreditava realmente que Beto também a conhecia assim tão bem, como que reconhecendo-a, como quando a gente vê o vulto de um amigo se aproximando e consegue saber que é mesmo ele, só pelo jeito de andar. E Ana sabia de tudo isso, sabia tudo sobre Beto.

Mas só que Ana não contava com aquelas 4 da manhã, afinal, nunca antes Beto fora tão imprevisível. Ainda quando ele se aproximou, continuou imprevisível. E foi embora sem dar explicações que Ana achou que ele daria. Beto deixou com Ana muito mais do que ela poderia imaginar. E ficava se questionando se era mesmo possível que Beto não tivesse sentido o mesmo. Num momento tão inimaginável e sublime.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sucesso!

E você dizendo ao telefone que já vinha, que era pra te esperar lá embaixo, e aí eu já sabia que era só daqui a umas três horas e meia, depois do seu banho demorado ou algum filme na tv. Cigarro caído no canto da boca e você jogando fichas de poker sobre a mesa, fechando um dos olhos por causa da fumaça do L&M. Os blefes perfeitos.
Naquela manhã de agosto eu queria muito estar com você, nem sei pra quê, mas eu queria te fazer companhia. Queria te dar abraços de dez minutos. Queria te levar lá no nosso esconderijo, lembra? Lá onde a gente tinha certeza que ninguém, além de nós mesmos, nos encontraria.
Você de terno e gravata e a gente fumando no telhado de casa, antes do sol sair. De quando você me ensinava a dirigir e de todas as vezes que você, empolgado, contava as histórias da propaganda. E fechava os olhos quando sorria.
Só que agora você sumiu daqui. E tudo o que eu queria era poder te ligar, mandar e-mail, te visitar, sei lá... mas você não atende o celular, não responde mensagens, não sai de casa, não tem mais e-mail, msn...
Eu não quero saber dos seus motivos, não quero te fazer perguntas. Quero você de volta na sexta feira, lá na calçada de casa, jogando conversa fora. Quero as ideias mais loucas e a tal invenção do free-ondas... que iria mudar os rumos da humanidade.
Ah, meu amigo, que falta você me faz...

domingo, 4 de outubro de 2009

Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra


Jiboia colecionava pedras de todas as formas, tamanhos e cores. E sabia o valor que cada uma delas tinha em sua vida, o valor em dólares. Seus olhos brilhavam tanto quanto as pedrinhas, quando suas imagens se encontravam frente a frente. Usava camiseta e se dizia perito em pedras. Ninguém nunca as amou tanto. Era dono de terras invejáveis, lá onde ele achava as tais pedrinhas. Tinha a voz mansa e ficava noites inteiras procurando por elas. Lá naquela cidadezinha lhe era permitido amar as pedras, lhe era permitido almejá-las. O que Jiboia não contava era com o tamanho do mundo lá fora, acima da cidadezinha com ruas de nomes preciosos. Ele apenas se preocupava com o pequeno mundo das pedras. E quando o resto do mundo inteiro descobriu o segredo de Jiboia, resolveram roubar-lhe as pedrinhas. Foi a pior de todas as dores que já sentira antes. Sem as pedras ele jamais conseguiria sobreviver. Sua vida acabara de perder todo o sentido. O sentido da raridade das pedrinhas.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Seja um doador de medula óssea

Quem pode doar Medula Óssea?
Qualquer pessoa que estiver em bom estado de saúde. Não é necessário ter peso mínimo. São excluídos apenas portadores de doenças oncológicas. O transplante de medula óssea é, muitas vezes, a única alternativa para pacientes com algum tipo de leucemia, doenças do sangue ou doenças genéticas poderem continuar vivendo, pois nem sempre é possível encontrar um doador na família. No transplante de medula óssea é indispensável que a compatibilidade de doador e receptor seja absoluta.
Por isso a necessidade de se organizar Bancos de Doadores de Medula Óssea, cuja função é cadastrar pessoas dispostas a doar. Quando um paciente não encontra doadores entre os familiares, esse cadastro de doadores não-aparentados é consultado. Se for encontrado um doador compatível, ele será convidado a fazer a doação.
A Fundação Pio XII, Hemonúcleo de Barretos, está cadastrando pessoas interessadas em ser doadores voluntários, pois somente com um número elevado de pessoas cadastradas é que se aumenta a chance de pacientes encontrarem um doador compatível.
A campanha é idealizada para ampliar o cadastro de doadores no REDOME (Registro de Doadores de Medula Óssea), pois cerca de 2000 paciente aguardam a doação de uma medula compatível.

Quem necessita de transplante de Medula Óssea?
Pessoas que têm doenças que comprometem a produção do sangue pela medula, como leucemias e aplasias medulares e também crianças com algumas doenças genéticas.

Qual a chance de uma pessoa conseguir um doador compatível na população como um todo?
A possibilidade maior é conseguir um doador entre irmãos; nesse caso, a chance de compatibilidade é de 25% por irmão, porém, 60 a 70% dos pacientes que necessitam de um transplante de medula óssea não encontram doadores entre os familiares; então a chance de encontrar uma medula compatível entre doadores não-aparentados é de uma em cem mil, por isso a necessidade de se organizar Bancos de medula óssea, cuja função é cadastrar pessoas dispostas a doar, pois somente com um número elevado de voluntários é que se aumenta a chance dos pacientes encontrarem um doador compatível.

O que é necessário para ser doador de Medula Óssea e se cadastrar?
1 – Ter entre 18 e 55 anos de idade e estar em boas condições de saúde;
2 – Preencher um cadastro com seus dados completos;
3 – Coletar uma pequena amostra de sangue (10 ml) para um teste, com o objetivo de identificar a sua tipagem genética que se chama HLA;
4 – Seus dados, juntamente com o resultado do exame de HLA serão encaminhados ao banco de dados do REDOME (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea).

Como funciona o REDOME?
No Registro de Doadores de Medula ficam registradas as pessoas interessadas em ser doadores de medula. Sempre que houver um paciente necessitando de transplante e que não tenha sido encontrado um doador compatível na família, os médicos podem consultar o registro. Realiza-se a busca e, encontrando-se alguém compatível, o doador será convocado.
Outros testes sanguíneos serão necessários e, se a compatibilidade for confirmada, o doador será consultado para decidir a respeito da doação.

Se a compatibilidade for confirmada, o que acontece?
Se houver compatibilidade, o doador será avaliado clinicamente para certificar seu bom estado de saúde e se de fato ele pode ser doador de medula. O médico vai colocar então a melhor forma de doação para o paciente. O doador irá doar a medula no centro de transplante mais próximo de sua casa e a medula vai congelada até o paciente. Não existe nenhum risco para o doador. Tudo é pago pelo Ministério da Saúde, através do SUS.

Como a Medula Óssea é removida?
Existem duas formas de doar a medula óssea:
A primeira é realizada por punção periférica (como doar sangue) e é um processo parecido com o de doar plaquetas - a coleta é feita pela máquina de aférese. Antes, o doador recebe por cinco dias um medicamento que estimula a produção das células-mãe que migram da medula para as veias e são filtradas por esta máquina. Em média, o processo de filtração dura mais ou menos 4 horas.
O outro método é puncionar diretamente a medula óssea, usando seringa e agulha na região do quadril para aspirar o material que contém as células progenitoras do sangue, uma quantidade equivalente a uma bolsa de sangue. Nesse caso, o doador é anestesiado e o procedimento dura 40 minutos. O doador fica em observação por um dia e pode retomar suas atividades no dia seguinte.

Quais os riscos?
Doar medula óssea é seguro. Nunca houve nenhum acidente com o doador e as células se refazem rapidamente, como na doação de sangue.

Como os paciente recebem a Medula Óssea?
Depois de um tratamento que destrói a própria medula, o paciente recebe a nova medula por meio de transfusão. Em duas semanas a medula transplantada já estará produzindo novas células.

Por que se registrar é importante?
Para o paciente você pode significar a única possibilidade de cura. Quanto mais doadores registrados existirem, maior é a chance de se encontrar um doador compatível.

Posso doar mais de uma vez?

Dificilmente haverá mais de uma pessoa compatível com você. No entanto, se for necessário, a doação pode ser feita quantas vezes forem necessárias, pois a medula se recompõe rapidamente após a doação.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

1 milhão de girafas


Ontem a noite a Palominha me mandou pelo MSN um link do blog do Pexe, amigo dela. Pediu pra que eu procurasse o post sobre girafas. Talvez eu tenha sido a última a saber, porque a história já virou fenômeno na internet. Saiu no site do G1: há alguns meses, dois amigos noruegueses (Helland e Jorgen) fizeram uma aposta na qual o primeiro reuniria em um site, nada mais nada menos do que um milhão de girafas, provando assim que na internet tudo é possível.

A única condição é que tais girafas não podem, em hipótese alguma, serem desenhadas por meio do computador e nem compradas em lojas (de pelúcia, p. ex.). Então vale tudo: desenhos, pinturas, esculturas (eu vi uma feita com palitos de fósforo e outra com bolas de sinuca), colagem etc. O prazo estabelecido para a conclusão dessa "missão" é até o final do ano que vem.

O objetivo da aposta é provar o quanto a internet é incrível, além de fazer com que os adeptos se desliguem do mundo virtual e passem algum tempo longe da tecnologia, enquanto criam as suas próprias girafas. E parece que está dando certo: o site já conta com a colaboração de mais de 165 mil pessoas, de aproximadamente 174 países. Não é fantástico?

A Palominha me mostrou a dela (que ela coloriu com caneta marca-texto!) e eu acabei enviando uma também (o desenho acima), que eu fiz de mosaico. Ah, o Pexe também fez a girafa dele, com a ajuda de sua priminha de 7 anos.

O mais impressionante é a criatividade das pessoas. Eu vi uma menina de Los Angeles (EUA) que colocou um chapéu de girafa e tirou uma foto e várias outras tantas feitas por crianças do mundo inteiro. Vale a pena conferir!

sábado, 8 de agosto de 2009

Selo Blog de Ouro


Há uns 2 meses o blog Ponto Por Extenso recebeu o selo "Blog de Ouro" do Blog da Carol - http://carolperiotto.blogspot.com/

Não há palavras para descrever minha felicidade. Valeu mesmo, Carol!

Bem, segundo as regras, devo repassar o selo, escolhendo 4 blogs para a premiação. Vamos lá:







REGRAS:
1 - Exiba a imagem do selo "Blog de Ouro".
2 - Poste o link do blog que te indicou.
3 - Indique 4 blogs de sua preferência.
4 - Avise seus indicados.
5 - Publique as regras.
6 - Confira se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.*


*Também não seguirei a regra nº 6. A participação é livre.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Laudo nº 746/09


Casa de vidraças embaçadas. Meia luz evidenciando folhas de papel espalhadas pela mesa. Algumas caídas pelo chão da sala. É que eram muitas perguntas. Perguntas que não devem ser respondidas. As respostas às vezes fazem perder a ousadia, o encanto das questões não sabidas. Ninguém precisa de todas as respostas.

No centro da sala, a menina brinca de boneca. Menina dos olhos, boneca de pano. Passarinhos cantam na janela. Embaçados. Pai e mãe, médicos legistas, fascinados pelo trabalho e, por si, nem tanto. A paixão pela morte os fizeram perder o encanto pela vida. A filha já ouvira centenas de histórias e casos da profissão, todas as noites antes de dormir. Na redação da escola disse que quer ser investigadora da polícia quando crescer. A professora chamou os pais para uma conversa, mas logo entendeu: falavam de gente morta com tanta naturalidade... sorriso no rosto.

Menina e boneca se confundem; ora menina é boneca, ora boneca é menina. Estão agora tão quietas, deitadas no tapete, pálidas. Pequena fresta na janela lateral e, em questão de segundos, papéis voam por todos os lados. Brisa da primavera que vem chegando. Hoje pai e mãe farão hora extra. Cheiro de saudade no ar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Pesos e Medidas


Reunião de suas liberdades protegidas por sua ordem interna, criada por suas controvérsias, seus absurdos. Seus valores mais íntimos pacificados atrás de grades e muros que há entre nossos corpos. Porque meus pensamentos são livres, meus sentimentos são independentes. Eles procuram relacionar-se com os seus. Mas a sua não-intervenção teima em sempre prevalecer. O seu repúdio a arrepios, amor e saudade. Coração inviolável. Censura manifestações de afeto. Afeta meus sentidos mais puros, meus sentimentos mais leves. Sua imagem em minhas memórias não me pediu consentimento. Suas hipóteses de viver longe daqui e sua frustração ao perceber a irrelevância dessas evasões. Seu sorriso mais raro chegou até mim e permaneceu de forma plena e calma. Sua voz reproduzindo saudades. E quando vem o seu cheiro, meu corpo paira no espaço que você deixou. Preciso me desprender, dispensar, despensar você. Aquecer esquecimentos. Medindo suas vindas, como que para estreitar suas voltas. Estrelar seus olhares. Permita-se. Feche os olhos em desejos e suspiros. Quero você sem ter que pesar nossas distâncias.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Oh, jovem!

Foi quando abracei minha avó e senti seu coração pular de tristeza, no dia do meu aniversário. Todo mundo em volta da mesa, na varanda, dividindo sofrimento. E tudo o que eu queria era dar a ela minhas forças mais sinceras. Eu queria dizer que eu podia entender aquilo tudo, queria procurar trevos no jardim. Mas o silêncio parecia ser o melhor conforto.

Quando eu fiz 25 anos, meu tio morreu. O dia em que eu ouvi dezenas de teorias sobre a morte, do destino do corpo, do espírito, e de crenças controvertidas. Os dias tristes são mais longos. Sentimentos em dias tristes são frágeis demais.
E vendo meu avô ali, passos curtos e apressados, sincronizados com a bengala gasta, procurando um bom piso para se apoiar, embora todo o chão tivesse se aberto sob ele, no dia anterior... Velho de olhos cheios d'água, com sapatos lustrados, mãos trêmulas, aliança larga. "O homem que a dor não educou, será sempre uma criança" (Niccoló Tommaseo). Quando as pessoas se vão, fica muito delas em nós. As lembranças vêm mais fáceis, mais suaves, mais nítidas.

Ainda pude ouvir sua voz naquele dia. Madrugada fria, meia luz. Os olhos azuis já não se via mais, agora descansados sob um véu branco, em meio às flores e ao terço. Não entendo porque as pessoas ficam tão nobres no pensamento dos que ficam. Não vejo lá tanta beleza em enobrecer pessoas que não estão mais aqui. Nobre é a vida. A verdadeira nobreza está na vida. No cheiro da terra molhada, na sensação do vento nos cabelos. A nobreza está no que vivemos, no que sentimos, no que amamos e respiramos. E ninguém devia aprender mais com a morte do que com a vida.

Perdas são tão óbvias, tão certas, transparentes. Não tenho medo de esquecer seu rosto, não tenho medo de esquecer imagens. Quero lembrar-me da sua voz e da risada alta, do abraço e da cerveja gelada. Quero guardar seu sorriso na memória e o presente que você me deu de aniversário, ano passado. Não quero a sua poltrona reclinável, não quero desvendar mistérios seus. Fotografia escondida atrás do espelho, quem diria, outro menino. Quero tudo como está, quero brilho nos olhares. Você não estará mais presente nas manhãs, nem lá perto do rio, ouvindo música sertaneja, abrindo e fechando a geladeira. A ideia de não te ver mais não me causa arrepios. A ideia de não te ver mais me faz desejar paz no seu coração. Paz que tanto lhe faltou. Paz quando chegar a hora de a gente se encontrar de novo.

sábado, 30 de maio de 2009

Vila de Canha

Um amigo que conta contos de meias verdades
Contos pela metade e meias marrons por inteiro
Amigo que canta contos e escreve início de sono
Sonha com livros e diamantes conjugais
Amigo de contrários não contidos
De mãos trêmulas e cartas de canastra conversadas
De cursos inacabados, letras tortas
Condições impostas e camisas quadriculadas
Amigo de conversas casadas, convites de colírios escassos
Amigo que conta segredos
Saramago na cabeceira e sorvete na geladeira
De confissões cabulosas e cigarros de filtro branco
Chico, Bethânia e encontros casuais
Conflitos com bebidas de corantes azuis
Conta na padaria, conselhos desviados
Cabeça raspada, complexos e inconstâncias
De comparações engraçadas, coca-cola na ressaca
Amigo às canhas, amigo que conta contos.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Let the sunshine in

O símbolo surgiu no dia 4 de abril de 1958, em Londres, em defesa ao desarmamento nuclear. Criado pelo designer inglês Gerald Holtom, integrante da inteligência durante a Segunda Guerra Mundial. Holtom usou a sinalização de bandeiras de controle de tráfego - por tratar-se de um código universal, bem como para dar a impressão de um homem em desespero - para elaborar o desenho.

O símbolo é formado pela sobreposição das letras "N" e "D" ("N" de Nuclear e "D" de Disarmament), onde “N” é representada por uma pessoa segurando duas bandeiras - uma em cada mão - na posição diagonal; e a letra “D” é formada pelos braços posicionados verticalmente. Da justaposição formou-se o símbolo, que ficou conhecido como “Ban the Bomb” (proíba a bomba), ou “Paz e Amor”. O círculo em volta simboliza o planeta Terra. Tal signo foi adotado pelos hippies americanos que eram contra a guerra nos anos 60.

Há tempos eu não assistia a um filme tão bom quanto o musical "Hair". Viva a Era do Aquário!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A Menina Monstro

-Mamãe, o que é imposto de renda?
-Ah, minha filha, é um tanto que o seu pai paga pro governo todo ano.
-Mas... mamãe, por que ele tem que pagar?
-Porque todo mundo paga, é obrigatório. Aliás, já era pra ele ter voltado de Ituiutaba... vai ver o ônibus quebrou de novo...
-O que o papai foi fazer lá?
-Foi entregar o recibo pro seu tio, que é contador - e que graças a Deus não vai cobrar nada do seu pai.
-Por que o papai não foi de carro?
-Porque a gente não tem carro, filha. E mesmo que tivesse, o dinheiro que a gente tem não ia dar pra pagar nem a gasolina. E ia ter que pagar mais imposto ainda.
-Hum... mas eu ouvi no rádio que tem um carro 24 horas por dia. E que pode usar pro bem do povo.
-Quem falou isso, filha?
-Uai, mamãe, não sei quem é... uma mulher de voz calma.
-Ah, filha, isso é complicado...
-Mas, mamãe, se o papai é do povo e paga imposto de renda, então ele pode usar o carro também, não pode?
-Não, só pode usar o carro se for pra interesse de todo mundo. Se for para resolver um problema da cidade, sabe. Só pode se for bom pra maioria. E só a mulher que você falou é que pode usar.
-Por que só ela, mamãe?
-Porque ela manda na mesa. A maioria quis assim.
-Ah, acho que entendi... Mas quem paga a gasolina?
-Então, todo mundo paga, até mesmo o seu pai.
-Mas... mamãe, se o papai mal tem dinheiro pra pagar o imposto de renda, não tem dinheiro pra pagar contador, não tem dinheiro pra comprar carro e, mesmo que tivesse, não ia sobrar pra gasolina, porque é que ele tem que pagar a gasolina do carro dos outros?
-Ah, minha filha, isso nem a menina do Silvio Santos saberia responder...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Curso Preparatório

Foi quando o apresentador perguntou à plateia: "-Vocês estão prontos pra se apaixonar?". Disse exatamente assim, enquanto erguia um dos braços, pouco antes de entrar a atração mais esperada da noite. E o público foi ao delírio. Como que para se apaixonar fosse asssim: simples e previsível. Como se fosse preciso preparação. Contar até três. Respirar fundo.

Não que realmente não seja necessária a preparação, também não sei se é melhor não tê-la, mas é que aquela frase não me soou tão bem. Quem sabe também o que me fez surgir essa ideia seja mesmo a reação que as pessoas tiveram, com os olhares fixos no palco, quando ouviram a frase ecoando dos amplificadores. Expectativa assustadora.

Talvez na verdade seja fácil assim. Apaixonar-se pode não ser tão complicado quanto parece. Interessante é saber o que é, de fato, estar "preparado" para se apaixonar. Se fosse tão óbvio saber o que se sente quando se apaixona, não haveria então porquê se apaixonar. Preparar-se para sentimentos óbvios não me parece muito excitante.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Uma estória de menino e menina

De oras e horas o vento vai levando as folhas secas, em meios vendavais. Deixando o chão à mostra. Quando tudo faz silêncio, quando em volta já tem tanto tempo à espera de temporais. Dizendo frases programadas, palavras decoradas para, quem sabe, impressionar. Brincando com as despedidas, desejando não desejar.

O menino buscou sentimentos onde há tempos não havia nada e os levou para um lugar secreto que ele rabiscou na contracapa de um livro velho. Não que os livros fiquem velhos; muito menos as histórias. Mas as folhas escurecem com o tempo.

Menina de pele branca, cabelo atrás da orelha. Mãos que reviram o descontrole dos sentidos. Cheiro de dia amanhecendo na beira do rio. Perfume que faz nascer a mais bonita pretensão.

De mãos dadas menino e menina viajaram juntos para um lugar onde os pés não podem alcançar o chão. Rasgando frases no espaço, em desequilíbrio com o resto de tudo. Um olhar e uma perdição. Menina dos olhos dançando ballet. Cantarolando canções como se fossem de sua autoria. Partituras guardadas, refrões esquecidos.

O menino não quis saber dos minutos, não quis saber da data, não quis saber do começo para não ter que saber do fim. Com seus sentidos fartos de emoções, pelas calçadas de ruas abandonadas, ele andou pela contramão. Tentando um disfarce, um pretexto.

Quis levar as lembranças, escondê-las em uma caixa de papelão. Mas algumas caíram da bolsa, espalharam-se por entre as folhas secas. E de oras e horas o vento foi trazendo meios vendavais e o tempo foi revivendo velhos temporais. Na contracapa de um livro velho.

Desce daí, menina!

É verdade que o sol se apaga quando encosta no horizonte do rio?
Tem um monstro que fica escondido dentro do armário?
Por que na casa da minha avó as maçanetas giram ao contrário?
Por que eu não posso desenhar nas paredes do meu quarto?
Que mal tem eu nadar debaixo de chuva?
Como não sujar minha roupa enquanto brinco na terra?
Por que tem hora certa para dormir e tomar banho?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Egret

Ela seguiu sentido norte. Deixou o som da risada no ar e a saudade mais bonita. Ficou muito espaço vazio nas histórias que a gente sempre contava. Agora não tem mais graça repeti-las para alguém. Menina de andar engraçado, de humor de criança. Como se todas as músicas tocassem só pra ela dançar. Força e delicadeza de bailarina na ponta dos pés. De salto alto e cabelos compridos, agora tão loiros. Menina dos olhos de quem quer se emocionar. De pele clara e coração que quer bater fora do peito. Que nasceu exatos 34 anos depois da minha mãe e que mora em uma cidade que foi fundada 160 anos exatos, antes de eu vir ao mundo. Dia de São João. Menina de histórias impressionantes. Pernas compridas e braços sempre abertos, como quem pede um abraço. Menina que brinca de sonhar. Menina que agora mora a 130 metros acima do nível do mar.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Verdadeiro ou Falso

Meu deus, em que deus você acredita?
Para quem você reza todas as noites
Quantas preces, passes ou romarias
Quem são seus irmãos, qual sua fé
Quem é seu deus que te conhece como ninguém
Que mora no céu e olha sempre por ti
Se você ora, fala ou medita
Qual ideologia você escolheu pra seguir
Qual religião você melhor se adapta
Judeu, cristão, hindu, islamita
Qual ritual você segue, quantos milagres já se realizaram
Quais símbolos você usa
Meu deus, em que deus você acredita?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Energia

Um dia desses aconteceu um fato que me fez lembrar da minha infância. Daquela época em que o tempo era mais simples. É que faltou energia elétrica na cidade toda. Foi um breu total.

Engraçado como é preciso ficar no escuro para que as pessoas possam perceber a beleza do céu. Virar a cabeça procurando a lua. Fazer um pedido para uma estrela cadente.

Contudo, não foi isso que me fez lembrar da infância. É que naquele tempo não era raro que faltasse luz na cidade. Às vezes ficávamos no escuro por horas. Era só isso acontecer que já se via o pai desligando a TV da tomada e a mãe esquentando a água no fogão para o banho. Dava para ver o interior das casas iluminado pelo pavio aceso das velas de parafina.

O melhor é que a gente sabia onde ficavam guardadas as velas para quando ficasse tudo escuro de uma hora para outra. E sabia onde ficavam os fósforos, as lanternas. Sabia andar pela casa como se estivesse tudo claro, iluminado.

Várias brincadeiras aconteciam até que voltasse a luz e, quando voltava, era uma sensação de brincadeira desfeita, de hora de ir embora. No escuro todo mundo saía na rua, em frente sua casa, sentava na calçada com uma vela nas mãos. E conversava com os vizinhos, todos reunidos. Brincava fazendo sombra dos dedos na parede.

Mas um dia desses, quando faltou luz, faltou luz também nas pessoas. Faltou sorriso mágico e ingênuo. Não que não tivessem velas aqui em casa. Mas dessa vez eu não sabia onde elas estavam. E quando fui andar pela sala, tropecei no sofá. Iluminei o caminho com a luz do celular.
O céu estava lindo. Até virei a cabeça procurando a lua. Só que logo a luz voltou. As estrelas continuavam lá, o céu continuava perfeito. Mas eu precisava usar o computador para enviar um e-mail.

sábado, 4 de abril de 2009

Jogo dos 7 erros

Estrelas-do-mar no céu-da-boca
João-de-barro e maria-vai-com-as-outras
Por-do-sol cor-de-laranja
Feira-livre na segunda-feira
Tio-avô do pai-de-santo
Tiro-ao-alvo a queima-roupa
Chinelo-de-dedo no pé-de-moleque
Cartão-postal para o pombo-correio
Banana-prata amarelo-ouro
Mãe-de-leite da obra-prima
Sala-de-estar do mestre-sala
Beija-flor cor-de-rosa
Chapéu-de-palha na mula-sem-cabeça
Tique-taque da bomba-relógio...

E viva o hífen (ou hifen)?!?!