No campo, lá ao longe se avista o trem de ferro vindo a todo vapor em nossa direção, passando em meio às montanhas, subindo e descendo por todo o vale. E vem chegando, fazendo barulho, soltando fumaça sem parar. As crianças com seus ouvidos atentos procuram o fim da linha, querendo correr atrás de tudo, com seus olhos cheios de vida, abrem os braços feito asas e correm para fora de suas casas idênticas.
No quintal lá de casa tem folha verde depois da chuva que caiu a semana inteira. E o chão continua molhado, tem nuvem cá em baixo, bem perto do telhado. Tem cheiro de primavera no ar. Criança de pés descalços corre atrás do último vagão para sentir o vento vindo verde, de fumaça esparsa, coração acelerado no peito cansado de tanto correr. Tem gente chegando e tem gente indo embora. Tem gente que nem veio e tem gente que veio, mas não devia. Menino, deixa o trem passar. Itinerário traçado, caminhos passados. Não tem como você acompanhar.
Quando você se der conta, a paisagem se transformou e a vida aconteceu sem você perceber, diante de seus olhos sorridentes ao verem o trem chegar. E se o trem já passou, quando voltar já mudou tudo de lugar outra vez.
Enquanto os seus pés se esfregam na terra, fazendo lama, tem felicidade que não vem de trem. Menino pula no rio, dança na chuva, faz bolha de sabão. Tem felicidade que não tem. Travessia pelas suas travessuras, aventuras desertas pelos trilhos enferrujados do trem. Menino achando que é de ferro, energia de mil locomotivas, coração feito de aço. Uma hora você se descarrila, perde o controle, os sentidos, sai da linha. E quando menos esperar, menino, o trem estremece você.