Casa de vidraças embaçadas. Meia luz evidenciando folhas de papel espalhadas pela mesa. Algumas caídas pelo chão da sala. É que eram muitas perguntas. Perguntas que não devem ser respondidas. As respostas às vezes fazem perder a ousadia, o encanto das questões não sabidas. Ninguém precisa de todas as respostas.
No centro da sala, a menina brinca de boneca. Menina dos olhos, boneca de pano. Passarinhos cantam na janela. Embaçados. Pai e mãe, médicos legistas, fascinados pelo trabalho e, por si, nem tanto. A paixão pela morte os fizeram perder o encanto pela vida. A filha já ouvira centenas de histórias e casos da profissão, todas as noites antes de dormir. Na redação da escola disse que quer ser investigadora da polícia quando crescer. A professora chamou os pais para uma conversa, mas logo entendeu: falavam de gente morta com tanta naturalidade... sorriso no rosto.
Menina e boneca se confundem; ora menina é boneca, ora boneca é menina. Estão agora tão quietas, deitadas no tapete, pálidas. Pequena fresta na janela lateral e, em questão de segundos, papéis voam por todos os lados. Brisa da primavera que vem chegando. Hoje pai e mãe farão hora extra. Cheiro de saudade no ar.